Páginas

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Drauzio Varella: “Fumei durante 19 anos e consegui me livrar desse inferno”

  • Por Drauzio Varella

    O destino me levou a encarnar a figura de antitabagista implacável. De uns tempos para cá, amigos, conhecidos e até pessoas estranhas ficam sem graça de fumar em minha presença. Na rua, transeuntes anônimos chegam à infantilidade de esconder o cigarro aceso, ao passar por mim. Nas reuniões sociais, virei desmancha-rodinha: chego para falar de futebol, o grupinho de fumantes se desfaz para formar-se em outro canto, de onde debandará ao menor sinal de minha aproximação.

    Atribuo ao destino o papel encarnado, mas tenho consciência da responsabilidade de meus atos: não é de hoje que escrevo sobre os males do cigarro e discuto o tema em programas de rádio e televisão. Mas outros médicos também o fazem, muitas vezes com mais propriedade e ainda com a qualificação de nunca haver fumado, sem por isso adquirir a fama de atormentador de fumantes que me persegue. Por que aconteceu comigo?

    Não é fácil avaliar o impacto de ações humanas no espírito alheio, mas vou arriscar algumas explicações.

    Em primeiro lugar, porque fui usuário de nicotina. Comecei a fumar com 17 anos. Chegava nas festas, tímido, sem saber o que fazer com as mãos; então, acendia um cigarro e meu problema estava resolvido.

    Fumei durante dezenove anos, período no qual conheci a escravidão, a ansiedade insuportável das crises de abstinência, a humilhação de desentortar bituca amassada em cinzeiro cheio, a prepotência de fumar em ambientes fechados na presença de crianças, pessoas de idade, mulheres grávidas; e, finalmente, consegui me livrar desse inferno. Há 32 anos, nem por brincadeira ponho um cigarro na boca.

    Segundo, porque tenho experiência dupla com essa droga: como ex-usuário e como médico de dependentes menos afortunados, que experimentaram na carne o sofrimento imposto pelas doenças pavorosas que o cigarro causa.

    Terceiro, porque o que mais exaspera o fumante é ouvir advertências de quem jamais fumou. Quem nunca sentiu o prazer de uma tragada nem o desespero da abstinência pode fazer idéia de como é difícil deixar de fumar?

    Duvido! Larguei há tantos anos, e ainda num domingo do ano passado despertei mais uma vez no meio de um sonho recorrente no qual acendo um cigarro e encho os pulmões de fumaça.

    A nicotina é uma cascavel adormecida nas vísceras do ex-fumante, pronta para acordar e dar o bote ao primeiro contato com ela. Sinto que bastaria uma tragada, para ir à padaria atrás de um maço. Se fosse condenado à forca e me concedessem realizar o último desejo, primeira coisa seria pedir um cigarro para me ajudar a decidir. Que droga poderosa.

    Ficar livre da tirania do cigarro é tudo que o fumante deseja, mas jogar o maço fora é uma decisão que ele deixa para o futuro. Para mim, foram necessários 19 anos.

    Esta série que agora se inicia tem o objetivo de ajudar você a parar de fumar. Vale aqui a máxima criada pelos Alcoólicos Anônimos: Se você quer fumar, é problema seu. Se deseja parar, podemos ajudar.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário